
Após abrir o Festival de Cannes deste ano, o mais novo filme de Fernando Meirelles estréia no Brasil. Com um bom elenco e produção, o diretor apresenta a adaptação de uma das obras mais reverenciadas de José Saramago.
“Ensaio Sobre a Cegueira” trouxe ao leitor – e traz agora ao espectador – a triste história de pessoas que foram infectadas por uma doença que se alastrou pela cidade. O sintoma? Uma cegueira branca, como leite. Assustado, o governo decide trancafiar os doentes em um manicômio abandonado, para que a cegueira não se espalhasse mais. Jogadas naquele lugar sem higiene e alimentação, as pessoas infectadas são obrigadas a viver como animais – ou pior.
Saramago faz, através de seu livro, uma forte crítica aos valores e ações da sociedade; críticas essas que Fernando Meirelles incorpora bem no filme.
Obviamente, o livro é muito mais intenso; mas é importante lembrar que o longa metragem é uma adaptação da obra, não uma reprodução idêntica. Li críticas por aí dizendo que Meirelles suavizou demais a história nas telas. Pergunto-me, então, se as pessoas que disseram isso ao menos leram o livro. O clássico escrito por Saramago é um dos mais fortes e impactantes que já li (e olha que já li uma quantidade considerável de livros); chegava a me sentir angustiada, nauseada, triste ao ler aquelas cenas horríveis, descritas por Saramago com uma maestria sem igual. Tenho certeza que, quando vistas em uma tela de cinema, tais sensações devem ser amplificadas. Confesso que fui assistir a Ensaio Sobre a Cegueira com um pouco de receio do que eu veria ali, pois não tinha certeza se conseguiria ver o que li. Senti-me extremamente aliviada e feliz com o jeito que Fernando Meirelles retratou o livro – de uma forma mais leve, sim, mas não menos profunda. Ele conseguiu transmitir as mensagens de Saramago sem que o público se sentisse angustiado (ou nauseado!) demais. E, mesmo assim, pessoas que não leram o livro de Saramago saíram da sessão comentando: “Gostei do filme... mas é muito forte!”.
Julianne Moore representa a esposa de um médico. Ela tenta acompanhar seu marido – que havia cegado – até o manicômio. Os policiais, no entanto, dizem a ela que somente os infectados podem entrar ali. Ela, então, decide mentir que contraiu a cegueira branca, para que pudesse acompanhar o marido. Conforme os dias passam no manicômio, o medo crescente de contrair a cegueira a invade, mas ela permanece imune. Dentre todos aqueles cegos, ela tinha o maior trunfo: sua visão estava intacta. O filme (assim como o livro) não dá explicações quanto à imunidade da mulher; fica ao encargo da interpretação de cada um.
Os personagens de Saramago – assim como no longa de Meirelles – não têm nomes. E, antes que as pessoas saiam reclamando por aí, é importante dizer a razão disso: na trama, as pessoas vivem como animais, perdem suas identidades dentro do manicômio. Ali, não são tratadas como gente; são vistas apenas como cegos contagiosos, um peso que assusta a sociedade mundial. Portanto, qual é a finalidade de dar nome ao personagens, se esses perderam suas identidades?
Não se sabe ao certo onde que se passa a história. Pode-se ver que a cidade do filme tem cenas de São Paulo: vemos o Viaduto do Chá, a Marginal Pinheiros, a Ponte Octávio Frias de Oliveira (que ainda estava em construção)... os policiais da cidade, no entanto, vestem uniformes americanos. As placas de ruas, as vitrines das lojas, os nomes das lanchonetes... tudo é em inglês. Há carros nacionais e importados andando para lá e para cá nas ruas... a razão da confusão? O próprio Saramago pediu para que não fosse possível saber onde a história acontece. Meirelles atendeu ao pedido de uma forma muito eficiente. Na minha opinião, a locação desconhecida reforça a crítica: ela é feita à sociedade mundial, não à nenhum município em particular.
Quanto às atuações, Julianne Moore e Gael García Bernal merecem destaque. Ela, como a mocinha. Ele, como o bandido. O restante do elenco – que conta com Mark Rufallo, Alice Braga e Danny Glover – também não deixa a desejar. É necessário mencionar também Don Mckellar, responsável pelo roteiro adaptado.
Apesar do que as outras críticas disseram, aqui vai meus sinceros parabéns a Fernando Meirelles e sua equipe.

